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Por Waldir Maranhão

O Brasil vive um momento peculiar da sua história, com recorrentes ataques do presidente da República à democracia e às instituições. Em nenhum cenário tais ameaças são aceitáveis, mas em meio à pandemia isso torna-se inimaginável.

O presidente Jair Bolsonaro tenta criar clima que lhe permita contestar os resultados das eleições do próximo ano. Ele vai além e ameaça com a possibilidade de as eleições não acontecerem. Isso só seria possível com um golpe de Estado, o que no campo das instituições já foi duramente rechaçado.

O presidente busca a todo momento rechear seu discurso com pinceladas de amedrontamento, usando para tanto a imagem das forças militares como eventuais operadoras de um golpe.

A política exige dos cidadãos atenção apurada e constante, pois só assim a população terá condições de cobrar seus representantes. Afinal, nos pequenos detalhes encontram-se as mais perigosas armadilhas.

Há dias, o presidente da República recebeu em audiência no Palácio do Planalto o chefe da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), William J. Burns, encontro que deveria estar limitado a instâncias outras do governo, como por exemplo, Casa Civil, GSI e Abin. O encontro com o chefe da inteligência norte-americana não constava da agenda oficial de Bolsonaro, o que causa estranheza.

Oficialmente, Burns foi ao encontro do presidente brasileiro para expor os interesses da agência no panorama político na América Latina e principalmente e o plano que visa conter o avanço da China na região.

No momento em que o Brasil continua dependendo de insumos para a fabricação de vacinas contra o novo coronavírus, acenar com a possibilidade de auxiliar os EUA nessa empreitada é comprar briga desnecessária. Além disso, lembro aos leitores, a China é o maior parceiro comercial do Brasil.

Por outro lado, chamou a atenção a foto oficial da visita de Burns ao Palácio do Planalto. No momento do registro da imagem, o chefe da CIA ficou ao centro, ladeado pelo presidente brasileiro, o diretor da Abin, o chefe do GSI e o embaixador dos EUA no Brasil.

Manda o cerimonial da Presidência que em fotos oficiais com número impar de pessoas o chefe do Executivo deve ficar ao centro. Alguém há de dizer que não foi proposital, mas no atual governo tudo tem intenções outras.

Para reforçar a escalada autoritária, Bolsonaro quis dar a entender que tem a CIA ao seu lado. Isso porque o presidente da República sonha em repetir por aqui o que aconteceu no Capitólio, invadido por apoiadores do derrotado Donald Trump.

Diante das ameaças de Bolsonaro e suas insistentes mensagens subliminares, os outros dois Poderes da República reagiram de forma acertada e com firmeza.

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux, em nota, reagiu aos ataques de Bolsonaro ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso. Porém, a saraivada do chefe do Executivo mirou outros integrantes da Suprema Corte.

“O STF rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da corte”, escreveu Fux.

“O Supremo Tribunal Federal ressalta que a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição a qualquer brasileiro, deve conviver com o respeito às instituições e à honra de seus integrantes, como decorrência imediata da harmonia e da independência entre os poderes”, destaca a nota.

Para o presidente da República, Barroso é um empecilho para o seu absurdo plano de instituir o voto impresso, depois várias eleições com urnas eletrônicas sem qualquer indício de fraude. Ou seja, Bolsonaro quer abrir caminho para reeditar no Brasil a invasão do Capitólio, caso seja derrotado nas eleições de 2022.

Presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também reagiu à ameaça de Bolsonaro, que agora “vende” a ideia de não haver eleições no próximo ano, caso sua vontade não prevaleça.

“Todo aquele que pretender algum retrocesso ao Estado democrático de direito, esteja certo, será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da nação”, afirmou Pacheco, em referência ao que chamou de “especulações sobre 2022”. “As eleições são inegociáveis”, completou o presidente do Congresso.

Rodrigo Pacheco foi preciso e certeiro em sua fala, pois é inadmissível tamanho atentado contra a democracia.

Com o avanço da CPI da Covid e a revelação de escândalos envolvendo a compra de vacinas, o presidente da República insiste em criar factoides para também desviar a atenção da opinião pública, que vem acompanhando com inédito interesse as investigações.

Assim como Pacheco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é integrante do Centrão, bloco parlamentar que apoia o governo e está a um passo de desmoronar.

Lira percebeu que calar-se diante do escárnio seria pior e resolveu se manifestar, usando palavras pouco convincentes.

Aliado do presidente da República, Lira afirmou que “instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e oportunismo”.

A máquina do Partido Progressista está muito bem azeitada pelo Palácio do Planalto, todos sabem, mas classificar como “oportunismo” as investidas golpistas de Bolsonaro é zombar do brasileiro.

Mais da metade da população (54%) é a favor do impeachment de Jair Bolsonaro, o que deve impactar no Congresso, já que senadores e deputados buscarão a reeleição no próximo ano.

Como citei em artigo anterior, o impedimento do presidente da República a essa altura dos acontecimentos seria um equívoco político. Isso porque a possibilidade de o processo não avançar permitiria a Bolsonaro recorrer ao “coitadismo”.

O ministro Luiz Fux reagiu com clareza e contundência à fala golpista de Bolsonaro. O senador Rodrigo Pacheco foi firme e objetivo ao rebater as ameaças do chefe do Executivo. Resta a Arthur Lira descer do muro e engrossar o coro a favor da democracia.

A manifestação de Lira me faz recordar frase do saudoso e sempre perspicaz Millôr Fernandes, que disse: “O perigo de uma meia verdade é você dizer exatamente a metade que é mentira.”

Fonte: Ilha Rebelde 

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