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Estimativa é que taxa oficial de desmatamento, medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte, seja ainda maior que a registrada no período encerrado em 2019, até então o maior em 11 anos. A um mês do fim deste período, registros já são 64% maiores. Governo enfrenta pressão de investidores para reduzir devastação da floresta.


Desmatamento da Amazônia aumentou 64% em abril - Extra Classe

A Amazônia registrou 1.034,4 km² de área sob alerta de desmatamento em junho, recorde para o mês em toda a série história, que começou em 2015. No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da Amazônia, aumento de 25% em comparação ao primeiro semestre de 2019.

Os dados são do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), atualizados nesta sexta-feira (10).

Os alertas até junho de 2020 apontam:

  • ·   sinais de devastação em 3.069,57 km² da Amazônia neste ano
  • ·  aumento de 25% de janeiro a junho, comparado ao mesmo período do ano anterior
  • ·  aumento de 64% no acumulado dos últimos 11 meses, comparado ao período anterior (a um mês do fechamento oficial de desmatamento, alertas apontam tendência de aumento na devastação)
  • ·   O número de junho é 10,6% maior do que o registrado no mesmo mês em 2019
  • ·   Na comparação com maio, houve aumento de 24,31% em relação ao mesmo mês de 2019, que também havia sido recorde para o período.

Os dados servem de indicação às equipes de fiscalização sobre onde pode estar havendo crime ambiental. Os números não representam a taxa oficial de desmatamento, que é medida por outro sistema, divulgado uma vez ao ano.

O Brasil enfrenta pressão de investidores estrangeiros para diminuir o desmatamento na Amazônia. O Ministério Público Federal (MPF) está pedindo o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por crime de improbidade administrativa. De acordo com o MPF, há "desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente". Nesta quinta-feira (9), o vice-presidente Hamilton Mourão disse para investidores que o Brasil busca reduzir o desmatamento, mas os dados mostram aumento na tendência de desmate.

Acumulado dos últimos 11 meses é 64% maior

Nos últimos 11 meses, os alertas de desmatamento cresceram 64% em comparação ao mesmo período anterior. Foram mais de 7,5 mil km² de floresta com sinais de desmatamento. No período anterior, eram 4,5 mil km².

O dado aponta que a taxa oficial de desmatamento na Amazônia, medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte, deverá ser maior do que a registrada no período anterior, quando 10.129 km² foram desmatados, a maior área desde 2008, quando foram derrubados 12.911 km² de floresta.

"O desmatamento continua aumentando e os números de 2020 vão ser muito piores que de 2019. A taxa oficial deve ficar 30% maior que no ano passado, que já foi o pior ano em uma década. De lá para cá, tivemos GLO no ano passado, GLO neste ano, e nada resolveu porque de fato não existe compromisso concreto de combate ao crime ambiental", afirma Carlos Rittl, senior fellow do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, Alemanha.

GLO é a sigla para o decreto de "Garantia da Lei e da Ordem". As missões são feitas pelas Forças Armadas, por ordem expressa da Presidência da República. Na Amazônia, o Exército dá suporte e segurança aos fiscais do Ibama, para que não sejam alvo de criminosos. A mais recente GLO foi assinada em maio deste ano, com validade até 10 de junho – ainda assim, os dois meses tiveram alta nos alertas de desmatamento.

"Somente agora que ficou claro o risco do Brasil perder investimentos, em uma hora que vamos precisar de recursos saindo da pandemia, é que o governo começa a dizer que está preocupado. Mas, até o ano passado, eles brigaram com números, brigaram com o Inpe, demitiram o chefe do Inpe, brigaram com a ciência, brigaram com satélites, mas não com os criminosos ambientais", afirma Rittl.

"Enquanto o Planalto se esforça para tentar enganar o mundo de que preserva a Amazônia, a realidade dos números revela a verdade: o governo Bolsonaro está destruindo a maior floresta tropical do planeta. Sob Bolsonaro, vivemos o pior momento da agenda ambiental de nosso país", afirma Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne 26 instituições.

Acumulado do ano tem aumento de 25%

No acumulado deste ano, de janeiro a junho, o Inpe registrou aumento de 25% nos alertas de desmatamento, se comparado ao mesmo período do ano passado.

Os dados indicam que o crime ambiental continua ocorrendo, mesmo no período em que o país enfrenta a pandemia do coronavírus.

"Não se consegue esconder o que os satélites mostram. A gente tem mais desmatamento e mais queimadas, mesmo em período de pandemia. Criminosos ambientais não estão fazendo quarentena", afirma Rittl.

Risco de queimadas

Isso aponta para outro risco ambiental na Amazônia: as queimadas. Com tanta madeira cortada, a tendência é que o material seja incendiado para abrir espaço na floresta. Os dados do Programa Queimadas do Inpe já apontam aumento nos focos de incêndio, antes mesmo do período em que as queimadas são mais ativas na Amazônia, entre junho e setembro a outubro.

Em junho, os focos de queimadas no bioma foram os maiores para o mês nos últimos 13 anos, de acordo com o Inpe. Foram 2.248 focos ativos, um aumento de 19,6% em comparação com o mesmo mês no ano passado, com 1.880 focos.

Segundo Rittl, o que foi queimado em junho provavelmente foi desmatado em abril – em geral, são necessários dois meses para as madeiras e folhas secarem, já que a Amazônia é uma floresta úmida.

"Os números de desmatamento em junho são um bom indicador do que virá de queimadas nos próximos meses", afirma Rittl.

Para Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de queimadas do Inpe, “90% de tudo que vai queimar está pela frente ainda." "Se vai aumentar ou diminuir, depende de diversos fatores, como o clima e a fiscalização", afirma Setzer.

“Mesmo que não se queime nenhum metro quadrado na atual temporada de fogo que vai até setembro – como espera o vice-presidente da República Hamilton Mourão ao propor novamente a moratória das queimadas na Amazônia Legal este ano –, o maior estrago já foi feito”, diz o diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar Rosa.

Combate ao crime ambiental

O governo divulgou neste ano um plano nacional contra o desmatamento, com vigência até 2023. O documento, com 25 páginas, foi elaborado em cima de cinco eixos: tolerância zero ao desmatamento ilegal, regularização fundiária; ordenamento territorial; pagamentos por serviços ambientais; e bioeconomia. Não há metas ou prazos claros.

Segundo ambientalistas, o foco nestas ações poderia combater o crime ambiental. Em 2019, apenas 0,5% da área desmatada era legal, de acordo com Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas. Na mão de criminosos, a Amazônia perdeu por dia uma área equivalente 1,9 mil campos de futebol de floresta natural no ano passado, em média.

Enquanto o crime ocorre, as multas por desmatamento ilegal na Amazônia foram praticamente suspensas desde outubro de 2019, quando o governo estabeleceu que elas deveriam ser revistas em audiências de conciliação. Segundo a organização não-governamental Human Rights Watch, apenas cinco dessas audiências foram realizadas em todo o país desde então.

Sem fiscalização, pode haver aumento da grilagem. Um levantamento do Instituto Pesquisa Amazônia (Ipam) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) indica que a Amazônia tem 23% de floresta em terras públicas não destinadas registradas ilegalmente como propriedades privadas. O percentual representa 11,6 milhões de hectares de florestas públicas "tomadas" ao longo de 21 anos (1997-2018). Ao todo, a Amazônia tem 49,8 milhões de hectares de florestas sem destinação.

A ONG HUman Rights Watch afirma que os desmatamento e as queimadas na Amazônia estão ligados a uma rede de criminosos que pagam por mão de obra, grandes maquinários como motosserras, tratores, correntes, caminhões, e por proteção de milícia armada contra quem tenta denunciar os crimes. Segundo a ONG, os criminosos ameaçam indígenas, agricultores, agentes públicos e até policiais.


Por Elida Oliveira, G1

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